Recuperamos do xornal Expresso [14/02/2009], un clarificador traballo de Margarida Magalhães Ramalho, titulado ?A Batalha de Diu, uma vingança pessoal?, que vai la liña do que nós publicamos en ?João da Nova, un mariño galego ao servicio da Coroa de Portugal? (Prol, 2002) e en ? João da Nova, o galego máis relevante do século XVI?, capítulo central do volume ?Nobres vencellados ao Castelo de Maceda? (Prol, 2009), no que puñamos ao día as pescudas sobre este macedán universal e que retomaremos en chegando [engadímoslle desta volta un vídeo de 2? 17?? moi clarificador]. A Batalla Naval de Díu -comandada pola Nao Frol de la Mar baixo a dirección do nauta macedán co vicerrei Almeida dentro da mesma- foi transcendental para que o imperio otomano deixase de ser hexemónico nas augas do Índico naquela altura. Un país pequeno, con pouco máis dun millón de habitantes a comezos do século XVI, pero cunha das mellores mariñas do mundo coñecido, prantoulle cara aos otomanos e logrou vencelos -cunha flota moderna- nunha histórica batalla que supuxo un fito e un novo rumbo xeoestratéxico entre Oriente e Occidente. Eis o clarificador traballo de Margarida Magalhãses Ramalho:
?Apesar de já estar substituído como vice-rei da Índia, D. Francisco de Almeida consegue ludibriar o novo representante do rei D. Manuel, Afonso de Albuquerque, e parte para Diu onde inflige uma derrota histórica aos Rumes, apenas para vingar a morte do filho, morto meses antes em Chaúl. Para o comandante Saturnino Monteiro, (antigo professor da escola naval, autor da obra em oito volumes "Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa" e um dos militares portugueses que participou na recuperação de Timor, em 1945, depois da saída dos japoneses) a Batalha de Diu, que se travou há 500 anos, a 3 de Fevereiro de 1509, foi "a mais importante de toda a História da Marinha Portuguesa e uma das mais importantes da História Naval Universal". Para este investigador e sob o ponto de vista estratégico esta batalha de aniquilamento "só encontra paralelo em Lepanto (1571), Aboukir (1798), Trafalgar (1805) ou Tsuchima (1905)" já que com esta vitória Portugal assegurava por quase um século, o domínio absoluto do oceano Índico.
Numa palestra realizada no dia 14 no Museu de Marinha [Lisboa], no âmbito das habituais "Conversas Informais", que aí se realizam aos segundos sábados de cada mês, Saturnino Monteiro explicou, não só os antecedentes desta empresa naval como, também, todo o desenrolar dos acontecimentos que levaram à estrondosa vitória da armada lusa. A chegada dos portugueses ao Índico não foi pacífica já que para a maioria dos Rumes (nome geralmente dado a todos os habitantes muçulmanos desta região e que abrange árabes, mamelucos, turcos e indianos), e para os venezianos esta presença representava uma forte concorrência comercial. Nesse contexto, Veneza irá apoiar com dinheiro e conhecimentos técnicos a construção de uma armada, construída em moldes europeus, capaz de fazer frente ao poderio naval português que será comandada por Mir-Hocem. Mesmo assim, Portugal beneficiava de vários factores, nomeadamente o facto de ter canhões de bronze, navios mais resistentes, uma infantaria bem preparada e couraçada e o inestimável apoio do rei de Cochim. O estabelecimento do comércio português nesta região foi, por isso, feito pela força.
Como antecedentes directos da batalha de Diu esteve, porém, um problema pessoal. Em Março de 1508, a frota de D. Lourenço de Almeida, filho do vice-rei, é atacada em Chaúl, pela armada de Mir-Hocem, beneficiando, também, de algum apoio de Meliqueaz, senhor de Diu, tendo D. Lourenço morrido durante a retirada portuguesa. Ambas as armadas ficaram muito danificadas, regressando a muçulmana a Diu e a portuguesa a Cochim. Com uma poderosa armada, reforçada entretanto com mais naus que tinham chegado, por acaso de Lisboa, o vice-rei cessante dirige-se para Diu para vingar a morte do filho. A armada de Mir-Hoceim encontrava-se em formação, lado a lado, dentro do estreito canal de Diu, cuja entrada era guardada por dois fortes. Um pouco afastados, os fustes (embarcações ligeiras) de Diu estavam prontos a envolver a retaguarda da armada portuguesa. Provavelmente por indicação de João da Nova, homem experiente em confrontos navais que acompanhava a expedição, os navios portugueses entraram no canal em coluna, tendo ficado a nau Frol de La Mar e outras embarcações a bloquear a saída dos fustes. Apesar de os portugueses terem começado por usar a artilharia, rapidamente passaram à abordagem e ao combate corpo a corpo. Pelas cinco da tarde, a batalha estava ganha e os portugueses retiraram-se para o mar alto. Apesar de, anteriormente, os presos portugueses de Chaúl terem sido bem tratados e entregues, a sede de vingança de D. Francisco de Almeida levou-o a matar de forma cruel todos os combatentes inimigos que nesse dia caíram nas mãos dos portugueses?.
Um notável exemplo de longevidade de uma nau do primeiro quartel do Século XVI foi dado pelos nove anos de aventuras e trabalhos da célebre ?Flor de La Mar?, afundada nas costas de Sumatra com os tesouros de Malaca trazidos por Afonso de Albuquerque.
Segundo o ?Livro de Toda a Fazenda?, a contabilidade pública de então, em 1505, D. Manuel I encarregou o provedor João Serrão de armar oito grandes naus, seis navetas e oito caravelas, além de outros navios, para formarem a armada do Vice-Rei D. Francisco de Almeida. A ?Flor de La Mar?, capitaneada pelo alcaide menor de Lisboa João da Nova, fazia parte com a ?Bom Jesus?, a ?S. Gabriel?, a ?S. João?, a ?Espírito Santo?, a ?S. Tiago?, a ?Bota Fogo? e a ?S. Catarina? do lote de 8 naus de 400 toneladas, cuja principal missão era estabelecer o domínio naval português no Índico. Provavelmente tratava-se da segunda viagem à Índia da nau ?Flor de La Mar? com João da Nova como capitão. Efectivamente, este galego de nação e fidalgo de Portugal fora o capitão-mor da terceira armada enviada por D. Manuel I à Índia. Com três naus, uma delas talvez a ?Flor de La Mar?, apesar da crónica de Goês não citá-la ainda de nome, e uma caravela, João da Nova partiu a 5 de Março de 1501 para chegar a Cananor em Agosto e receber um primeiro carregamento completado depois em Cochim, onde as naus foram calafetadas, reparadas e breadas. Depois de umas escaramuças que levaram ao afundamento de três paraos de uma grande frota enviada pelo Samorim, João da Nova regressa a Lisboa, tendo entrado no Tejo a 11 de Setembro de 1502.
Na segunda viagem do notável navegador que parece não ter o seu nome merecidamente glorificado numa rua de Lisboa, este recebeu ordens para cruzar entre o Cabo Camorim e as Ilhas Maldivas, levando também um alvará real de nomeação para capitão-mor da armada da costa da Índia. A armada de D. Francisco de Almeida com a ?Flor de La Mar? largou pois a 5 de Março de 1505, dobrou o Cabo da Boa Esperança em fins de Junho sem grandes percalços.
Nos primeiros dias de Agosto, as principais naus da armada com a ?capitania? lançaram ferros frente a Mombaça. O Vice-Rei mandou o intrépido João da Nova a terra para comunicar com os habitantes. ?Estes receberam-no à pedrada? ? escreveu Gaspar Pereira, escrivão da armada. João da Nova dispara dois berços de metal que levava no batel, ?com que logo na praia pagou o jogo das pedras?. ?Olá dos navios! Ide dizer ao Vice-Rei que venha em terra, que em Mombaça não há de achar as galinhas de Quiloa, mas vinte mil homens que lhe hão de torcer o focinho ?? ? diziam os naturais na praia da Ilha - continuou Gaspar Correia na sua crónica da viagem.
Na manhã seguinte, 1300 soldados da armada desembarcaram em Mombaça, distribuídos em duas colunas. Depois de uma peleja encarniçada, o xeque de Mombaça pede a paz e a armada zarpou com os presentes do potentado, agradecido por lhe pouparem a vida e não terem destruído a cidade.
A Cochim, a armada chega a 1 de Novembro, tomando de imediato conhecimento da existência de uma esquadra de 400 navios e 10 mil homens organizada pelo Samorim para enfrentar as forças do Vice-Rei.
Muito chegado a terra, os navios do Samorim tiveram de se haver com as caravelas e galés de Portugal porque as naus não podiam chegar-se tanto. Numa naveta artilhada, João da Nova comete proezas sem par juntamente com os navios mais pequenos da armada. ?Tudo era fogo, fumo e gritos? ? escreve Gaspar Correia. As três bombardas e os seis falcões de cada uma das caravelas fizeram uma razia, opondo-se com a sua superioridade aos pelouros e flechas dos mouros.
Em Fevereiro de 1506, a ?Flor de La Mar? com a ?S. Gabriel?, capitaneada por Vasco Gomes de Abreu, recebe ordens para largar de Cochim rumo a Portugal. Além do valioso carregamento de especiarias levavam um pequeno elefante.
Gaspar Correia cita a ?Flor de La Mar? ainda sob o comando de João da Nova nas duas armadas de Tristão da Cunha e Afonso de Albuquerque saídas de Lisboa para a Índia a 5 e 7 de Abril de 1506. Na verdade, deveria estar equivocado. A ?Flor de La Mar? não poderia chegar a Lisboa nessa data e outros arquivos históricos dizem-nos que nunca chegou a sulcar novamente as águas do Tejo, pois na viagem de regresso a Portugal arribou à Ilha de Moçambique com água aberta e grande dificuldade para consertar a avaria. Ficou no canal entre a Ilha e a Cabaceira, a zona de abastecimento das naus com água potável. Aí é que a armada de Tristão da Cunha encontrou João da Nova com a sua ?Flor de La Mar?. Sendo amigo e compadre de João da Nova, Tristão da Cunha fez tudo para salvar a?Flor de La Mar?. Comprou uma nau comercial de Lagos que vinha na sua armada para transbordar toda a mercadoria que vinha na ?Flor de La Mar?, a fim de a ?pôr a monte? para os consertos necessários. Assim feito, João da Nova e a sua nau foram mandados de novo para a Índia integrados na armada de Afonso de Albuquerque, mas João da Nova foi desgostoso por o Vice-Rei não ter aceite o seu alvará de capitão-mor e, agora, em vez do regresso à Pátria ia acompanhar Albuquerque em trabalhos e aventuras ainda inimagináveis. Tal como a sua nau, também João da Nova nunca mais veria as águas do Tejo.
Apesar de insatisfeito, o alcaide menor de Lisboa mostrou-se tremendamente eficaz em todas as tarefas em que se meteu. Logo em Abril de 1507, João da Nova acompanha Afonso de Albuquerque com 300 homens no ataque à fortaleza de Socotorá, defendida por centena e meia de ?fartaquins?, pondo-os todos em fuga. Reconstruiu-se a fortaleza; Portugal controlava agora a estratégica entrada para o Mar Vermelho.
Em carta não datada, mas provavelmente de 1506, dirigida a D. Francisco de Almeida, D. Manuel I ordena o envio de navios a Malaca e nomeia João da Nova capitão-mor de uma armada de uma nau, um navio e uma caravela que ficará aí. Ao mesmo tempo, El-Rei ordenou que a ?Flor de La Mar regresse a Portugal sob o comando de Francisco de Távora, enquanto João da Nova deveria ser o capitão da nau ?Rei Grande?, anteriormente do Távora. Não foram cumpridas estas ordens de D. Manuel I; era demasiado cedo para ir a Malaca sem ter previamente estabelecido o domínio do Índico.
Texto de Dieter Dellinger publicado na REVISTA DE MARINHA em Abril de 1989
Para Diu navegou a poderosa armada de D. Francisco de Almeida. Vendo que o inimigo estava muito perto do porto; as naus não lhe chegariam à distância de tiro. João da Nova manda arriar o batel e equipá-lo com uma peça grossa, colocando-o no través das galés do Mirocem para batê-las com o seu fogo e cortar-lhes as amarras.
Logo que anoiteceu, o mestre da ?Flor de La Mar? foi deitar uma ?toa? na boca do rio, e quando veio a maré alou-se a ela, amarrando-a com as âncoras pela popa e pela proa de forma que a nau com a maré não virasse; as fustas, as caravelas e o batel de João da Nova foram ocupar as suas posições e tudo se fez sem serem sentidos porque os mouros passaram a noite com tangeres e gritos. No dia seguinte, 3 de Fevereiro de 1509, a batalha começou com uma primeira salva de 18 tiros da ?Flor de La Mar?, cujos pelouros acertaram na nau de Malik Ayaz, a capitania dos mouros.
Entretanto, a ?Santo Espírito? de Nuno Vaz, acompanhada pela ?Belém?, ?Taforea Grande? e ?Rio Grande?, entrou a abalroar a capitania dos rumes, mas antes um tiro da ?Santo Espírito? atravessou a nau moura de lado a lado, deixando os adeptos de Maomé a nado. A luta prosseguiu com fúria, estrondos e fumo; João da Nova, ainda no batel acompanhado pelas caravelas, meteu-se ao longo da terra e com a artilharia desfazia as popas das naus mouras.
A ?Flor de La Mar? disparou mais de 600 tiros grossos. O alemão Michel Arnau era um dos mestres bombardeiros da nau e não queria ouvir falar em abalroar navios inimigos; no seu entender tudo se resolvia a tiro de bombarda.
As forças portuguesas tinham alguns estrangeiros ao seu serviço, mas no lado oposto a miscelânea de nacionalidades era muito maior ainda; mouros, indianos, etíopes, afegãos, persas, turcos e romanos do Egipto, além de venezianos e renegados europeus. Os navios portugueses eram poucos, mas muito sólidos, bem construídos e artilhados. A ?Flor de La Mar? vomitava ondas de fogo das amuradas e dos castelos da proa e popa, onde disparava a artilharia menor como águias, sacres e falcões de câmara, camelos e esperas. Mas, o poder português baseava-se nas grossas bombardas das amuradas que o mouro não possuía e não sabia fabricar nem poderia trazer do Egipto ou da Turquia.
A armada lusa retirou-se vitoriosa para Cochim, deixando muitos navios mouros afundados e avariados com muitas vítimas, mas também os lusos não saíram incólumes.
Em Cochim, a ?Circe?, novamente a meter água, e a ?Flor de La Mar? e a ?Belém?, avariadas em Diu, foram devidamente carenadas e reparadas.
Entretanto, com a chegada da armada do Marechal D. Fernando Coutinho de 18 navios, mandada em 1509 por D. Manuel I, o Vice-Rei entrega, enfim, o governo da Índia a Albuquerque.
O heróico João da Nova, há quatro anos capitão da ?Flor de La Mar?, morre em terra tão pobre e desamparado que Albuquerque lhe pagou o enterro. Apesar das suas muitas vitórias, não se apropriou de quaisquer bens de valor do inimigo pois entregou tudo à Coroa através do Vice-Rei. O próprio D. Francisco de Almeida também não voltou a ver Lisboa; faleceu ainda nas águas do Índico na viagem de regresso.
Texto de Dieter Dellinger Publicado na REVISTA DE MARINHA em Abril de 1989