OS QUE NOM EXISTEM
A democracia espanhola fala seguido dos seus apoiantes: políticos, jornalistas, famosos, monarcas, militares, polícias, pensadores e votantes. Fala menos dos que nem secundam nem sentem a sua democracia, porque mais que gozá-la, padecem-na.
Há oito meses, soubem por umha conversaçom de janela a janela no módulo de ingressos de umha história que acabara de acontecer em Puerto e ainda permanecia algo confusa. Hoje continua mais ou menos igual de confusa.
No módulo 3 havia um canário. Havia vários canários, cinco ou seis, mas em particular havia um, condenado por matar o seu pai e abandonado compreensivelmente pola sua família. Nom tinha ninguém, nem mulher, nem amigos, nada. Mas cá dentro, fora de violadores e maltratadores, as culpas perdoam-se e ninguém leva muito em conta os delitos porque um foi encarcerado, que porém si se sabem e ninguém oculta. O canário fazia grupo com os seus paisaos e com o resto, ao que parece, também tinha bom trato. Eu devim conhecê-lo antes de deslocar-me a Cáceres, mas a verdade é que nom consigo lembrar-me dele.
Um dia de fins de Novembro discutiu por algum motivo com um carcereiro, que avisou os seus colegas e entre todos dérom-lhe umha malheira impressionante. Acto seguido levárom-no ao módulo de isolamento, onde passou dous dias. Como é habitual nestes casos, da ?cúpula? (que é como se chama aqui a isolamento) passou nom ao 3, de volta, mas ao 1, o módulo de observaçom. As cousas complicárom-se por momentos a causa das lesons cerebrais da malheira, e ao pouco de chegar ao 1, umha manhá apareceu morto na cama, sem mais. Os carcereiros tirárom-no dali sigilosamente, sem dizer nada aos presos, e continuárom com a rotina como se tal cousa. Amanhá é outro dia.
Essa é a história, a versom que circula em rumores contrastados ou confeccionados por presos que vírom algo no 3, na cúpula, ou no 1. Ou que ouvírom algumha cousa. A maior parte está na obscuridade, porque nom existe nenhuma maneira de controlar o que se passa nas prisons. Morreu dos golpes? Suicidou-se? Simplesmente o transferírom a outra prisom? Os únicos que conhecem os factos som os carcereiros, e a sua resposta já a imaginamos.
Ora, isso si: se este canário foi assassinado ?todos pensamos que o foi-, pudo tê-lo sido perfeitamente, porque a sequência é moeda corrente: malheiras, cúpula, módulo 1. É tam comum que nem nos chama a atençom.
Há alguém que lhe importe todo isto? Os presos, como os esmolantes, como os ciganos, e os imigrantes, nom importam a ninguém. Nom fam parte da populaçom que conta, nom possuem direitos, nom pertencem ao corpo cívico. Nem sequer está mui claro que existam. Nom gastam dinheiro, nom trabalham, nom votam...realmente é como se nom existissem. Ora si, o seu número aumenta cada dia, e parece que nem as novas macro-prisons do PSOE vam dar acolhido a enxurrada de reclusos que aí vem; os muros e as polícias tampouco fream os imigrantes; e os pobres e esmolantes ?lixam? muitas ruas para turistas. Muito trabalho lhe queda aos democratas se querem tapar tanto excluído que fabrica o seu Reino miserável, e poder seguir de compras.
Ugio Caamanho, Preso Político Galego
Prisión de Puerto de Santa Maria I
Apartado de correos 555
Ctra. Jerez-Rota km. 6.4
11500 Puerto de Santa Maria
Cádiz
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